Agora é fashion comer saudável

Longe de mim estar a ser hater. Não pretendo fomentar e apoiar um hábito de alimentação menos saudável, apesar de levar isso quase como uma regra, tendo em conta os meus registos glicémicos. Mas isto dos pratos coloridos, fotografias de saladas que nem necessitam de muita edição e aqueles detox verduscos no snapchat, tem muita piada. Como de uma peça de roupa se tratasse, como aquela recente febre do casaco amarelo.

As redes sociais são o palco principal para a dança das diferentes sementes. Linhaça, aveia e a chia são as artistas principais. Os tempos em que a fruta cortada sentia-se só num prato, já foram. Agora, todos os flocos integrais estão lá para enfeitar.

As propagandas aliciam as nossas vontades e, na falta de uma imagem artística, a comida saudável está sempre lá para animar o nosso perfil. A fast-food ficou bem lá atrás, em 2009. Ir ao McDonald’s já é banal e só de olharmos sentimos a gordura a entrar-nos no corpo… Meu Deus, que obsceno, que demodê.

Ir ao ginásio nunca soube tão bem. Com uma boa legging e as sapatilhas “de desporto”, nunca vamos cair fora do baralho. Eis que chegamos ao topo da pirâmide das pessoas fixes e da moda. Se não temos o entusiasmo necessário, são várias as celebridades ao nosso redor que nos inspiram para isso. E contra mim falo, que me deparo em alguns momentos em frente ao ecrã a ouvir meia dúzia de mestres a falar sobre os benefícios do óleo de côco. “Substitui o açúcar no café, útil para grelhar carne e uma máscara espetacular p’ro cabelo”, nem a feirante antes tivera tanto poder de persuasão.

Isto não é uma crítica negativa ao fitness, antes pelo contrário, considero que esta é uma prática que acaba por nos incentivar a largar os maus hábitos alimentares. Porque realmente não é preciso passar fome para se comer saudavelmente. Pensemos positivo: o caminho não foi o melhor, mas pelo menos o resultado acaba por ser bom.

Alerta trendyJá existe um McDonald’s saudável. O pasmo. A surpresa. O êxtase. Com esta epidemia, uma nova técnica atraente tinha de surgir. “2015 não foi o melhor ano para a maior cadeia de fast-food do mundo. O número de clientes desceu consideravelmente e com ele o volume de negócio. Esta queda está, provavelmente, associada ao aumento da preocupação alimentar das pessoas, que procuram cada vez mais opções de comida saudável”. O McDonald’s Next é um novo restaurante, inaugurado em Hong Kong, com 19 ingredientes daqueles xpto, quinoa incluída.

Resta aos tugas esperar para que esta novidade chegue “ao país ao lado de Espanha”.

photo-1455099229380-7b52707e356a

 

 

1/4 do estudante

Escola. Amigos. Festas. O quarto.

Dizem que os olhos são o espelho da alma. E o quarto? Cada quarto reflete uma pessoa, e o quarto de um estudante, guarda segredos. Segredos de dias a estudar, metades de noites dormidas ou de fins de semana demasiado ocupados para poder ir a casa. Quartos pequenos, grandes, partilhados e arrumados, ou com a roupa da semana amontoada numa simples cadeira.

13295088_1145179188835719_1829162351_n

Hora de acordar. As persianas são ligeiramente levantadas, ou a luz fraca do candeeiro serve para procurar o que vestir. O silêncio em cada passo, e o abrir de porta lento. Tudo para não acordar o colega com quem divide o mesmo quarto. Mais barato, foi o que se encontrou, ou simplesmente porque é alguém chegado: dividir quarto é contar as mesmas histórias, é saber lidar com a falta de privacidade ou solidão, é saber usar o silêncio como forma de respeito. É andar de lanterna na mão.

13285662_1145179255502379_1083153896_n

Marcas, autocolantes ou paredes pintadas denunciam que aquele já foi o quarto de alguém. Aquele que agora pertence a uma pessoa, mesmo que não por muito tempo, já pertenceu a tantos outros, certamente. Fotos, frases ou lembranças coladas nas paredes é o que o torna característico de alguém. As marcas denunciam memórias e pessoas que não queremos esquer. Torna-o  mais acolhedor e com sabor a “casa”.

13275872_1145179308835707_2111614526_n

Diferentes formas de estudo permanecem nas secretárias, camas ou mesas de quem troca o “estudar com os amigos” pelo estudar sozinho. Inteligentes são esses que sabem que o “estudar com os amigos” nunca significa claramente isso. A euforia da vida académica acaba com a chegada das frequências e trabalhos. O conforto da cadeira do café é trocado pela necessidade de concretização.

13281790_1145179365502368_290711271_n

Aqueles que chegam com o quarto como o receberam, têm quase como uma espécie de cartão de parabéns. Vamos embora e decidimos deixar o nosso rasto. Não temos cuidado e as coisas não nos pertencem. Estragos entre estragos, um estudante aprende acima de tudo a desenrascar-se. Aprendemos a pedir um pacote de arroz a um colega de outro curso, que mora em baixo. Percebemos que se com paus fazemos uma canoa, certamente com um colchão fazemos uma cama.

13293364_1145179405502364_740208929_n

Acordar e não lembrar da noite passada: um clássico. Não julgamos o Manel nem a Maria porque amanhã podemos ser nós. Dizem que é nesta idade que assim o deve ser. Caloiros, aprendem com os mais velhos. Os mais velhos, revêem-se nos caloiros. A euforia académica é imensa e tão peculiar. No meio de todas as matérias leccionadas, o maior leque que levamos é adquirido fora da sala de aula.

13278204_1009633709086218_1036293143_n

As aulas enchem-nos os dias. Os cafés, as noites. As festas, as madrugadas. O refúgio é sempre o mesmo. O quarto que tomamos como nosso. Voltamos para a nossa terra natal, ansiosos por voltar à nossa cama principal. Mal sabemos que o que vai deixar saudade são os rascunhos nas paredes e os lençóis enrugados da que foi a nossa cama de aluguer, durante três anos.

Tudo se resume ao mesmo. Saudade. A palavra portuguesa que não se traduz.

“Fico contente, gosto do sítio”

“Vendemos praticamente só a turistas, por isso, como é perto, sempre é melhor para eles encontrarem”. Rosa Gonçalves é uma das vendedores do Bolhão que aplaudem a mudança provisória para o quarteirão da antiga Casa Forte, enquanto decorrerem as obras de reabilitação do histórico mercado portuense. A maior parte dos comerciantes partilham da mesma opinião, saudando a decisão, anunciada oficialmente pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, na Assembleia Municipal.

O autarca disse que, “com toda a certeza”, as bancas iriam para o quarteirão da antiga Casa Forte. Chegaram a ser colocadas outras hipóteses, como o Silo Auto, mas a solução que mais agradava ao Município era mesmo o referido quarteirão. “Estamos a finalizar as negociações com o Fundo Millenium [que está a reabilitar o espaço]”, adiantou Rui Moreira aos deputados municipais.

“Já falaram de tantos sítios… Se realmente for esse, fico contente porque gosto do sítio”, referiu Marília Brandão. Vendedora há mais de 65 anos, lamenta o estado a que chegou o Bolhão. “Está tudo abandalhado. Antigamente éramos 300 trabalhadores e agora nem 100 cá estão, observou.

 

Muita expectativa

Muitos dos que permanecem pertencem a famílias que sempre fizeram vida no mercado. “Começou com a minha trisavó, seguiram-se a minha bisavó, avó e agora estou cá eu”, resumiu Maria Ferreira, proprietária de uma banca. A comerciante recordou que o Bolhão é parte da vida dela: foi para lá desde bebé, conheceu e namorou com o marido lá e educou os filhos por ali. O Bolhão é como se fosse uma segunda casa. Muitas vezes foi mesmo a primeira. Entre os comerciantes, reina a expetativa sobre o resultado da operação de requalificação do emblemático mercado. Só pedem que a essência do Bolhão não seja desvirtuada nem desapareça. “Estou contente porque quero que fique bonito. Espero que ao alterar, alterem bem”, referiu um deles.

 

image
Atual Mercado do Bolhão, no Porto.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Projeto do futuro Mercado do Bolhão.

 

Lello vai abrir museu até ao final do ano

 

O antigo negócio “Armazéns do Castelo”, na Rua das Carmelitas, foram comprados pela Livraria Lello, que ali pretende desenvolver um projeto independente e com identidade própria. A inauguração já foi feita, com a animação de personagens da música portuguesa e estrangeira e estátuas vivas.

“Apenas com produtos portugueses, nos Armazéns do Castelo vai ser possível encontrar livros, artigos 100%  naturais, brinquedos artesanais, merchandising da Livraria Lello em exclusivo, e muito mais”, disseram os promotores, em comunicado emitido ontem.

A loja está em funcionamento atualmente, das 10 às 19 horas, todos os dias com exceção do domingo. A entrada será livre e não sujeita à compra do bilhete de entrada.

5418078883_bab96e7156_o

 

Lello terá um museu?livraria-lello-e-irmão-wikimedia-11

A fachada da emblemática Livraria Lello começou a ser renovada no fim do passado mês. Até ao final de outubro, os escritórios da livraria, que atualmente se situam na cave, serão transferidos para os Armazéns do Castelo, entretanto comprados para acolher o projeto acima mencionado. Na cave vai nascer um museu até ao final do ano. O espaço terá visitas noturnas.

As novidades foram avançadas por Pedro Pinto, administrador da Lello, pouco antes da inauguração dos renovados Armazéns. “No ano passado, passaram pela Lello cerca de 1,2 milhões de visitantes. Com esta nova aposta, espera-se que o número cresça para dois milhões”, acrescentou Pedro Pinto.

Nos Armazéns nasce um projeto independente e complementar. O espaço possui todos os detalhes originais – mesas, manequins, escadas, têxteis e até manteve um funcionário. “O senhor Paulo trabalha aqui desde o tempo em que os Armazéns do Castelo só vendiam cortinados e tapetes, há 31 anos”, contou Pedro Pinto.

Para além de um piano, existe um dj de serviço- uma coluna em formato de mala – e uma cabine para fotografias. No auditório, serão realizadas tertúlias, debates, espetáculos, concertos e lançamentos de livros.

Casa de filósofo apaixona lisboetas

A casa com o número 126 da Travessa da Nova Sintra, no Bonfim, no Porto, tem agora novos proprietários. Não é uma casa qualquer: ali nasceu, há 110 anos, o filósofo e poeta Agostinho da Silva. Dulce Cruz, designer, e André da Loba, ilustrador, casal lisboeta que se enamorou pelo edifício, pretende reabilitá-lo e abrir uma parte ao público. Dulce e André pretendem “manter a estrutura do prédio, alterando o mínimo possível”.

getimage
André da Loba e Dulce Cruz resolveram deixar Lisboa para viver no Porto.

Ambos ansiavam comprar uma habitação em conjunto e foi durante “uma pesquisa à procura da casa ideal” que ficaram de olho nesta. “Pelas fotos da agência imobiliária não fiquei muito fascinada, mas disse ao André para fazermos uma visita. Quando cá chegamos, percebemos a beleza da casa e da sua vista para o rio e para os campos, mesmo sendo no centro do Porto”, confessou Dulce. “É um silêncio tão agradável. E basta andarmos duas ruas, para chegarmos ao centro. É ótimo”, acrescentou.

A casa estava à venda desde 2010. Chegaram a ser levantadas hipóteses, como a transformação do edifício num museu ou a entrega da casa à Câmara, por ter sido colocada uma placa em memória de Agostinho da Silva. Nada disso se confirmou. O edifício era privado e foi vendido, por cerca de 100 mil euros.

 

Projetos futuros para a Casa

Dulce e André querem que a casa tenha alguma divisão aberta ao público, nomeadamente a cave. Pretendem restaurá-la e prepará-la para receber conferências, pequenos concertos ou outros eventos culturais e lúdicos. “A ideia é termos a nossa área privada, o nosso espaço, mas também deixar que a casa, onde nasceu Agostinho da Silva, possa estar aberta a quem estiver interessado em conhecê-la”, explicou André da Loba. Para além da cave, pretendem integrar no edifício uma biblioteca e no jardim um pequeno palco e um mural, se possível. Mas mantendo o espaço florido. E também estão dispostos a receber a associação “Casa Agostinho da Silva”, se os associados assim pretenderem, visto que o grupo costuma encontrar-se ali em datas específicas.

casaagostinho
O edifício estava preparado para três habitações, mas no futuro será só uma.

Desde a sua construção, o prédio estava preparado para ter três habitações individuais; no entanto, com a reabilitação, todo o imóvel será transformado num T3. Dentro de um ano, a casa estará pronta, com o aproveitamento dos materiais existentes, sem perder a estrutura inicial. Dulce Cruz prefere “ter uns fios à mostra, do que ter que alterar a forma original”.

Um novo olhar: covardia ou necessidade?

É da sabedoria de todos que todas as crianças têm direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à dignidade… à liberdade. Nota: Nem sempre a realidade segue por essa linha. A UNICEF, inclusive, tenta que os direitos das crianças prevaleçam e que todas as pessoas os defendam. Essas e muitas outras associações, fundações ou organizações lutam contra a maré que tende a subir.

Bebés, crianças e jovens abandonados em igrejas, casas ou escolas. É apenas uma parte. Nem sempre as crianças poderão ter mães tão presentes quanto desejariam. Não sou mãe para poder ter todas as visões no que toca a este assunto, mas isso não me impede de não entender o que leva uma mãe ou um pai a abandonar um filho, abandonar simplesmente. Covardia? Necessidade? Não ter em conta os cuidados que a criança precisará nem tão pouco a preocupação das repercussões que isso irá trazer para a sua vida. O que ela irá responder quando perguntarem “a tua mãe vem buscar-te?” ou  quem lhe irá preparar o lanche. É como lhes fosse destinado um rumo a preto e branco e a todas as outras crianças a caixa completa de lápis de cor. A luta de conseguir associar tudo isso a algo menos bom e acreditar que a culpa não é deles. A capacidade que necessitam para não cair em caminhos estreitos. Vão ser crianças do mundo, quando deviam fazer parte do mundo de quem as trouxe. Não é esse o sentido?

Existem famílias com graves dificuldades, mães solteiras, negligências, pais sem qualquer suporte ou, muitas vezes, esperam que os filhos tenham um melhor colo noutra pessoa. Desculpas mais ou menos fundamentadas nunca irão substituir a tristeza do drama de saber que fomos deixados. A situação não é nova. O assunto enche notícias nos jornais. “Criança com três anos foi abandonada…”, “…deixado sozinho no apartamento” até às mais graves “… criança cai de apartamento de sete andares”.

A sociedade que se preocupa com a vida, que investe na educação, em melhores sistemas de saúde e em estudos superiores, tem também de prevenir o abandono das crianças.

Quer dizer, é lançar os indefesos à sorte do destino.

 

A enfermidade dos “inte”

Longe vão os dias em que apenas um na aldeia tinha um curso superior. Hoje, ter um curso superior é como ter uma conta no instagram, todos têm. Uns sempre lutaram para tal, outros esperam entrar num curso qualquer com média que pouco ultrapassa o dez. O que quero realmente dizer é que, por mais que nos digam que não, ter um curso superior ajuda-nos no futuro. Pelo menos quero pensar assim.

Contudo, os dias não ficam mais coloridos, as oportunidades não saltam como as tampas e nem somos assim tão mais inteligentes relativamente ao secundário. “Licenciatura é um grau académico recebido por um indivíduo que finaliza os seus estudos numa instituição de ensino superior, normalmente numa faculdade ou universidade.” Ah, bom… Não passa de um tópico a adicionar ao currículo se não existir a paciência necessária e uma pitada de sorte. Digo paciência porque, em Portugal, lutar por um sonho é uma luta contra a nossa paciência. Fomos “quase educados” a saber dar resposta à pergunta “o que queres ser quando fores grande?”, quando nunca nos disseram “olha, vai ser difícil”. No entanto, quando exclamavam “doutor” surgia de imediato “uau, este é esperto”.

No meio destas palavras dispersadas, a dois dias de “finalizar os meus estudos numa instituição de ensino superior”, o que me fez escrever sobre o ciclo que tendo a terminar foi a despedida de uma amiga minha. É mais velha que eu e já tem preocupações que nunca quero ter. Mas eventualmente a realidade chega. Afinal ela tem 26 anos e eu 20, não estamos assim tão distantes. A doença dos “inte” atormenta qualquer jovem que pensa que a vida será sempre um dilema sobre qual esplanada escolher. Essa minha amiga não tem nenhum curso superior, mas apesar de eu não ser ninguém para o afirmar, tem um dom para a fotografia incrível. O que eu já não acho incrível é a necessidade de ter que sair do país, ultrapassar fronteiras. Inglaterra. Os laços criados cá eram tão apertados, os risos ocupavam as horas. Agora os únicos laços que existem são aqueles que apertamos ao fechar a mala. É triste. Como todas as despedidas são. Então, assistir de perto fez-me pensar se todo o percurso irá valer a pena… E um jovem nos seus “inte” nunca quer ter que pensar.

Não deixem os talentos fugir.

Ninguém quis faltar no regresso à escola

Centenas de antigos alunos e professores juntaram-se em convívio na centenária Carolina Michaelis, que foi o primeiro liceu feminino do Porto

Fosse para reencontrar velhos amigos, recordar hábitos antigos ou apenas para visitar os corredores, mais de quinhentas pessoas passaram na Escola Secundária Carolina Michaelis, no Porto. A instituição celebra este ano, 2016, cem anos de funcionamento e os antigos estudantes e professores não quiseram faltar à chamada. Abraços, sorrisos e gargalhadas foram abundantes, visto que eram muitos os que não se viam há 10, 20 ou 30 anos. “Estima-se que existam 80 mil alunos vivos espalhados pelo país, com variadas idades. Então pensamos em proporcionar um dia aberto para essas pessoas”, explicou José Valente, professor de História e um dos responsáveis pelas comemorações do centenário.

Maria Ferreira e Fernanda Sacadura, do ano letivo de 1950/1951, guardam na memória o rigor e o sistema de educação de outros tempos. “Os rapazes não podiam entrar, o único que entrava era o filho da reitora. Nesses dias, era sempre uma festa”, contou Fernanda. “Existia uma entrada para os alunos e outra para os professores. Era tudo separado”, acrescentou Maria.

Houve quem viajasse mais de 300 quilómetros na esperança de reavivar memórias e de conversar com antigos colegas de turma. “Vim de Lisboa de propósito. Sonhei muitos anos com esta escola porque no tempo do fascismo as coisas eram mais complicadas. Lembro-me que odiava Geografia porque a professora era terrível. No entanto, em contrapartida, foi aqui que fiz grandes amigas”, afirmou Paula Folhadela, aluna em 1964. Ainda é possível assistir a momentos de cumplicidade entre professores e alunos. Ermelinda Azevedo e José Cerqueira são exemplo disso. Abraçados, contaram que costumam manter contacto, mas admitem que “voltar à escola” teve um sabor especial.

O “Carolina Michaelis” foi o primeiro liceu feminino do Porto. E José Cerqueira foi um dos primeiros rapazes na instituição. “Ele era muito cobiçado! Então, ele era dos únicos”, comentaram, divertidas, algumas antigas colegas.

A adesão superou as expetativas. O almoço estava cheio e ainda eram esperadas mais pessoas durante a tarde. “Tínhamos planeado uma sala de convívio, mas agora temos seis”, concluiu José Valente.

carolina.jpg
Escola Secundária Carolina Michaelis, no Porto.

Camélias: para comer, beber e contemplar

São várias as cidades, de norte a sul do país, que durante uns dias, festejam os variados usos que tem hoje a “rainha das flores”59dcf6_971d5c4246eb47e2bc6ae15eb9e1ccb6

Há licores, chás, sabonetes e até bombons. São muitos e surpreendentes
os usos das camélias, que costumam florir nos jardins de todo o país. Durante Março, vários festivais celebraram a exuberância da flor eternizada pela pena de Alexandre Dumas filho em “A dama das camélias”. Os festejos decorreram no Porto, Vila do Conde, Famalicão, Lousada, Sintra, Celorico de Basto, Guimarães e Figueira da Foz.

Exposições, pinturas, lançamentos de livros, concertos, workshop’s, visitas guiadas a jardins, degustação de chás e outros produtos feitos a partir da camélia – ou japoneira como é conhecida em algumas zonas do país -, foram algumas das propostas dos festivais.

“O público não está habituado a associar flores a comida. As pessoas quando provam ficam surpreendidas com a explosão de sabor”, contou Patrícia Brandão, da “Casa Grande”. A empresa inventou bombons recheados de camélia em resposta a um desafio lançado há dois anos pela Câmara de Famalicão.

Maria João Clavel, autora do blogue “Clavel’s Cook”, provou que a camélia pode servir de forma à originalidade. “Toda a gente quis comer. As minhas filhas ficaram encantadas, pedem sempre para fazer mais”, contou, sobre as camélias de maçã. Desafiada pela PortoLazer, a blogger decidiu arriscar e criou uma PannaCotta de chá de camélia, no Mercado do Bom Sucesso, no Porto.

O licor e a geleia marcarão presença em Celorico de Basto e em Lousada. “Somos exclusivos. Temos o único licor de camélia que existe”,garante António Maia, proprietário da “Casa de Encosturas”. “O único porque para além do segredo, é muito trabalho que nos torna os melhores”.

Susana Santos, criadora da “ArteSana”, apresentou sabonetes, bálsamos labiais, exfoliantes e velas, em Serralves. “De todos, são os produtos com o óleo de camélia os que têm mais saída. As pessoas ficam curiosas, principalmente os estrangeiros. Querem levar recordações e encantam-se com os produtos de camélias”. Foram oferecidas miniaturas de sabonetes a quem por lá passou.

Os bombons e o chá foram degustados em Vila Nova de Famalicão. Estes festivais acabam por ser “uma mais-valia para as novas empresas porque divulgam os seus produtos”, considera Andreia Ferreira, da empresa “Meia-Dúzia”, que produz chá. “O facto de serem produtos diferentes e inéditos surpreende o público”, acrescenta Patrícia Brandão.

 

 

 

 

“Foi uma revolução fundamental para… o nosso país”

Como era viver nos anos antecedentes ao 25 de abril? Como é que a sociedade era caracterizada? O que mudou com esse acontecimento? Nascida em São Miguel em 1958, Joaquina Costa faz parte da multidão que presenciou a revolução dos cravos. “…[F]ui aprendendo que o país ficou mais livre, ficou em liberdade.” Era jovem quando viu os militares mudarem o rumo do nosso país de um dia para o outro.

12200515_1031502016870104_2056126522_n

Ilustração 1- Joaquina Lúcia, uma entre as muitas pessoas que viveram aquando a revolução dos cravos.

 

Sandra Costa. Peço que se identifique. Como se chama?

Joaquina Costa- Joaquina Lúcia Teixeira da Costa.
SC- Quanto à sua naturalidade: nasceu quando e onde?

JC- Nasci a 16 de Outubro, em São Miguel que pertence a Lousada.

 

SC- Em termos escolares, como foi o seu percurso? Recorda-se?

JC- Frequentei quatro anos, naquela altura ainda não existia ciclo. Andei na escola primária de São Miguel e tenho apenas o quarto ano. Recordo-me que depois da escola o meu papel era ajudar os meus irmãos, porque eramos, e somos, muitos e os mais velhos tinham sempre que fazer papel de pai e mãe… outros tempos.

 

SC- Visto que teve uma saída precoce da escola, foi trabalhar posteriormente? Teve muitos empregos?

JC- Tomava conta dos meus 11 irmãos, mas para além disso trabalhei em vários sítios. Nas limpezas, em restaurantes, trabalhei como ajudante de cozinheira… Não foi muito fácil encontrar trabalho mas antigamente qualquer pessoa fazia qualquer coisa. Não havia muito a questão de ter experiência, idade ou escolaridade para lavar uns pratos.

 

SC- Visto pertencer a uma família com muitos agregados, como era viver com tanta gente? Como era, por exemplo, a alimentação nessa época?

JC- Nunca passei fome, fome de verdade, mas toda a comida era dividida porque eramos 14 no total. Comia-se muitas vezes caldo com o que tínhamos no campo, só ao domingo é que comíamos carne, de vez em quando. Quando era peixe, uma sardinha tinha que dar para dois ou três senão não chegava para todos.

 

SC- Para além do trabalho, como é que se divertia? Quais eram as brincadeiras nas décadas de 60 e 70?

JC- Como é que eu me divertia? Divertia-me a olhar pelos meus irmãos, a ajudar os meus pais…É. Divertia-me quando andei na escola, fazíamos brincadeiras. Corridas, esconde-esconde e um que os miúdos já nem ligam, o peão. Brinquei muito ao peão de madeira, que nos faziam e outros brinquedos feitos também assim, nunca eram comprados.

 

SC- Sobre relações, namoro e casamento. Como conheceu o seu marido? Casaram quando?

JC- Foi numa festa de S.Gonçalo (romaria de aldeia), em Macieira, num domingo à noite nos carrosséis. Namoramos algum tempo, alguns anitos. Era muito diferente de agora, eu não tinha muito tempo para essas coisas e ele fugiu da casa dos pais também muito novo. Os tempos eram duros mas depois em Janeiro de 1985 casamos.

12204877_1031502006870105_1669445244_n

Ilustração 2- Entrevistada no momento da entrevista.

 

SC- Agora, no que toca ao assunto central de toda esta entrevista, onde estava no 25 de Abril de 1974? Lembra-se?

JC- Lembro, estava em São Miguel onde nasci. Nesse dia eu só sentia medo, eu ainda era pequena, sentia era medo. Só via soldados a passarem e a deitarem no chão. Senti foi medo, na altura.

 

SC- O que significou para si? Notou diferenças após esse dia?

JC- Para mim, na altura, não entendia muito bem o que era isso, mas fui aprendendo que o país ficou mais livre, ficou em liberdade. As diferenças… é assim, era tudo mais livre. As pessoas saiam mais de casa, iam aos cafés, antes disso não se via tanto movimento nas ruas, nem se ouviam tantas conversas. Depois do 25 de Abril começou toda a gente a fazer greves, e manifestações, as pessoas reagiram todas e reagiram tudo o que não tinham reagido até então. Mas acho que só em Lisboa é que se notou mais alarido.

 

SC- Na altura do regime, sabia alguma coisa sobre a PIDE? Era notória a censura ou essa era discreta?

JC- Sabia que existia uma polícia, a polícia do estado. Só sabia que eles proibiam o que falasse mal deles, os jornais ou as pessoas assim… mais rebeldes. O que eu sabia era só do que se ouvia, de ouvir as pessoas a falar, mas os meus pais não falavam muito disso. Proibiam também algumas músicas na rádio como aquela do Zeca Afonso quando souberam o que ela significava. Na televisão não sei porque não tínhamos.

 

SC- Após o alarido dos cravos… qual o impacto? Passado este momento extremamente relevante, como é que o país se levantou no dia seguinte?

JC- Foi uma revolução fundamental para o desenvolvimento do nosso país, não é… As coisas mudaram, ficaram melhores. Foi com o 25 de Abril que passámos a poder dizer aquilo que pensávamos e a defender aquilo que achávamos justo. Logo no dia a seguir as coisas não estavam ao contrário mas aos poucos foi se notando alterações.

 

SC- Há algo que sinta falta sobre o antigo regime? Quais as diferenças que mais nota?

JC- O respeito antigamente era maior e toda a gente tinha mais. Mas apesar de eu ser doméstica e de só trabalhar em casa, para cuidar de vocês e depois também por causa da minha saúde, eu acho que antes havia mais emprego. Naquela altura toda a gente trabalhava, não haviam “pilões” em casa sem fazer nada, nem os pais deles deixavam nem a vida deixava… havia trabalhado para toda a gente. Agora ninguém tem nada para fazer, têm todos que sair do país.

 

SC- Voltando à vida pessoal, sofreu alguma experiência traumática? Algum acontecimento que marque a sua vida por completo?

JC- Sim, a morte da minha mãe. Ainda hoje sinto… ela faleceu muito nova. Foi isso que mais me traumatizou, foi a morte da minha mãe. Porque senti muito a falta dela, ela era muito boa pra nós… ela morreu assim de repente. Morreu de cancro. Eu nessa altura já tinha 26 anos mas ainda vivia com os meus pais, era muito ligada a ela. Depois disso, senti-me muito mais responsável, como era a mais velha e ainda estava em casa, tive que fazer o papel dela. Isso e as saudades foram muito difíceis de suportar.