Como era viver nos anos antecedentes ao 25 de abril? Como é que a sociedade era caracterizada? O que mudou com esse acontecimento? Nascida em São Miguel em 1958, Joaquina Costa faz parte da multidão que presenciou a revolução dos cravos. “…[F]ui aprendendo que o país ficou mais livre, ficou em liberdade.” Era jovem quando viu os militares mudarem o rumo do nosso país de um dia para o outro.
Ilustração 1- Joaquina Lúcia, uma entre as muitas pessoas que viveram aquando a revolução dos cravos. |
Sandra Costa. Peço que se identifique. Como se chama?
Joaquina Costa- Joaquina Lúcia Teixeira da Costa.
SC- Quanto à sua naturalidade: nasceu quando e onde?
JC- Nasci a 16 de Outubro, em São Miguel que pertence a Lousada.
SC- Em termos escolares, como foi o seu percurso? Recorda-se?
JC- Frequentei quatro anos, naquela altura ainda não existia ciclo. Andei na escola primária de São Miguel e tenho apenas o quarto ano. Recordo-me que depois da escola o meu papel era ajudar os meus irmãos, porque eramos, e somos, muitos e os mais velhos tinham sempre que fazer papel de pai e mãe… outros tempos.
SC- Visto que teve uma saída precoce da escola, foi trabalhar posteriormente? Teve muitos empregos?
JC- Tomava conta dos meus 11 irmãos, mas para além disso trabalhei em vários sítios. Nas limpezas, em restaurantes, trabalhei como ajudante de cozinheira… Não foi muito fácil encontrar trabalho mas antigamente qualquer pessoa fazia qualquer coisa. Não havia muito a questão de ter experiência, idade ou escolaridade para lavar uns pratos.
SC- Visto pertencer a uma família com muitos agregados, como era viver com tanta gente? Como era, por exemplo, a alimentação nessa época?
JC- Nunca passei fome, fome de verdade, mas toda a comida era dividida porque eramos 14 no total. Comia-se muitas vezes caldo com o que tínhamos no campo, só ao domingo é que comíamos carne, de vez em quando. Quando era peixe, uma sardinha tinha que dar para dois ou três senão não chegava para todos.
SC- Para além do trabalho, como é que se divertia? Quais eram as brincadeiras nas décadas de 60 e 70?
JC- Como é que eu me divertia? Divertia-me a olhar pelos meus irmãos, a ajudar os meus pais…É. Divertia-me quando andei na escola, fazíamos brincadeiras. Corridas, esconde-esconde e um que os miúdos já nem ligam, o peão. Brinquei muito ao peão de madeira, que nos faziam e outros brinquedos feitos também assim, nunca eram comprados.
SC- Sobre relações, namoro e casamento. Como conheceu o seu marido? Casaram quando?
JC- Foi numa festa de S.Gonçalo (romaria de aldeia), em Macieira, num domingo à noite nos carrosséis. Namoramos algum tempo, alguns anitos. Era muito diferente de agora, eu não tinha muito tempo para essas coisas e ele fugiu da casa dos pais também muito novo. Os tempos eram duros mas depois em Janeiro de 1985 casamos.
Ilustração 2- Entrevistada no momento da entrevista. |
SC- Agora, no que toca ao assunto central de toda esta entrevista, onde estava no 25 de Abril de 1974? Lembra-se?
JC- Lembro, estava em São Miguel onde nasci. Nesse dia eu só sentia medo, eu ainda era pequena, sentia era medo. Só via soldados a passarem e a deitarem no chão. Senti foi medo, na altura.
SC- O que significou para si? Notou diferenças após esse dia?
JC- Para mim, na altura, não entendia muito bem o que era isso, mas fui aprendendo que o país ficou mais livre, ficou em liberdade. As diferenças… é assim, era tudo mais livre. As pessoas saiam mais de casa, iam aos cafés, antes disso não se via tanto movimento nas ruas, nem se ouviam tantas conversas. Depois do 25 de Abril começou toda a gente a fazer greves, e manifestações, as pessoas reagiram todas e reagiram tudo o que não tinham reagido até então. Mas acho que só em Lisboa é que se notou mais alarido.
SC- Na altura do regime, sabia alguma coisa sobre a PIDE? Era notória a censura ou essa era discreta?
JC- Sabia que existia uma polícia, a polícia do estado. Só sabia que eles proibiam o que falasse mal deles, os jornais ou as pessoas assim… mais rebeldes. O que eu sabia era só do que se ouvia, de ouvir as pessoas a falar, mas os meus pais não falavam muito disso. Proibiam também algumas músicas na rádio como aquela do Zeca Afonso quando souberam o que ela significava. Na televisão não sei porque não tínhamos.
SC- Após o alarido dos cravos… qual o impacto? Passado este momento extremamente relevante, como é que o país se levantou no dia seguinte?
JC- Foi uma revolução fundamental para o desenvolvimento do nosso país, não é… As coisas mudaram, ficaram melhores. Foi com o 25 de Abril que passámos a poder dizer aquilo que pensávamos e a defender aquilo que achávamos justo. Logo no dia a seguir as coisas não estavam ao contrário mas aos poucos foi se notando alterações.
SC- Há algo que sinta falta sobre o antigo regime? Quais as diferenças que mais nota?
JC- O respeito antigamente era maior e toda a gente tinha mais. Mas apesar de eu ser doméstica e de só trabalhar em casa, para cuidar de vocês e depois também por causa da minha saúde, eu acho que antes havia mais emprego. Naquela altura toda a gente trabalhava, não haviam “pilões” em casa sem fazer nada, nem os pais deles deixavam nem a vida deixava… havia trabalhado para toda a gente. Agora ninguém tem nada para fazer, têm todos que sair do país.
SC- Voltando à vida pessoal, sofreu alguma experiência traumática? Algum acontecimento que marque a sua vida por completo?
JC- Sim, a morte da minha mãe. Ainda hoje sinto… ela faleceu muito nova. Foi isso que mais me traumatizou, foi a morte da minha mãe. Porque senti muito a falta dela, ela era muito boa pra nós… ela morreu assim de repente. Morreu de cancro. Eu nessa altura já tinha 26 anos mas ainda vivia com os meus pais, era muito ligada a ela. Depois disso, senti-me muito mais responsável, como era a mais velha e ainda estava em casa, tive que fazer o papel dela. Isso e as saudades foram muito difíceis de suportar.